A seguir, um resumo da declaração publicada por diversas organizações latino-americanas que atuam na interseção entre tecnologia e meio ambiente e que participaram da última COP realizada em Belém, Brasil. A versão completa da declaração pode ser acessada aqui.
Embora a Inteligência Artificial (IA) já tivesse sido considerada em COPs anteriores, a COP30, realizada em Belém, Brasil, em novembro de 2025, marcou uma nova fase nas discussões climáticas. Pela primeira vez, a IA foi incluída de forma sistemática na Agenda de Ação da COP como um tema estratégico.
No entanto, apesar do forte entusiasmo em torno das promessas da IA para enfrentar as mudanças climáticas, quase nenhuma atenção foi dedicada ao outro lado do ecossistema de IA: seus impactos ambientais. Apenas alguns side events e coletivas de imprensa destacaram como os modelos de IA e as infraestruturas que os sustentam são responsáveis por altos níveis de emissão de CO₂ e têm provocado uma crescente demanda por minerais, água e energia.
Ao final da COP30, e diante das discussões políticas que ainda devem avançar nas próximas edições, gostaríamos de expressar as seguintes preocupações sobre o discurso público em torno da IA no contexto da crise climática e ecológica:
1) A Inteligência Artificial não é uma solução tecnológica para a crise climática e ecológica; além disso, a IA aumenta o uso de combustíveis fósseis, eleva as emissões de gases de efeito estufa e, assim, compromete as metas climáticas de países com alta concentração de data centers de IA, como China, Estados Unidos e União Europeia. As políticas climáticas da COP não podem se basear em discursos de marketing, lobby ou pensamento mágico promovido por empresas de tecnologia, mas sim em evidências científicas independentes e atuais.
2) A Inteligência Artificial não é apenas mais um recurso natural nem uma força inevitável. Seu uso, adoção e comercialização em diferentes esferas da vida política, social e econômica são impulsionados por seus proprietários, um pequeno grupo de grandes e poderosas empresas de tecnologia (concentradas sobretudo em dois países, Estados Unidos e China), cujo incentivo principal é expandir seu capital, e não mitigar a crise climática e ecológica. As políticas climáticas da COP não podem ser desenhadas para servir aos interesses econômicos desse pequeno grupo de empresas já extremamente poderosas: isso incentiva a concentração de poder e fortalece perigosamente sua influência, especialmente em países de baixa renda e em desenvolvimento.
3) A IA gera impactos socioambientais que vão muito além das emissões de CO₂. Como diversos relatórios internacionais baseados em evidências científicas indicam, a IA é uma indústria que demanda numerosos minerais, grandes extensões de terra e enormes volumes de água doce e energia, o que está causando uma série de impactos socioambientais ao redor do mundo que extrapolam as emissões diretas (Escopo 1) – exigindo também uma séria contabilização do Escopo 3, que expõe os impactos ao longo de todo o ciclo de vida, desde a mineração até a fabricação e o descarte. No entanto, os resultados da COP30 não incorporaram de forma significativa esses impactos, deixando uma lacuna relevante na maneira como os países avaliam e reportam a pegada climática das infraestruturas digitais. Para avançar, é essencial que os compromissos climáticos nacionais (NDCs) incluam explicitamente as emissões e o uso de recursos associados aos data centers e às cadeias produtivas da IA, garantindo transparência e responsabilização em um setor cujo impacto climático cresce rapidamente. Preocupa-nos que tomadores de decisão acreditem que esses impactos possam ser solucionados milagrosamente apenas por inovações tecnológicas, algo que as evidências científicas refutam, especialmente considerando o paradoxo de Jevons aplicado à IA.
4) A fome energética da IA ameaça uma transição energética justa. Sendo uma das indústrias mais intensivas em energia do século XXI, o interesse real das empresas por trás da IA na COP é garantir acesso a combustíveis fósseis no curto prazo e a fontes renováveis no médio prazo. Estas últimas são frequentemente tratadas como uma solução tecnológica para suas emissões de CO₂, ignorando os custos sociais, econômicos e ambientais envolvidos na atual produção de energia renovável, especialmente em comunidades que não causaram a crise climática e ecológica. O apetite da IA por energia renovável é tão grande que, sem mediação política e democrática, denunciamos que a transição energética, sobretudo em países em desenvolvimento, será moldada pelas necessidades de um punhado de corporações estrangeiras de tecnologia, e não pelas prioridades das comunidades e indústrias locais.
5) Governos devem proteger seus povos e ecossistemas, não os interesses da indústria. Instamos os tomadores de decisão dos governos nacionais, especialmente de países em desenvolvimento participantes da COP, a reafirmarem seu compromisso com a evidência científica e com o bem-estar de suas comunidades, da biodiversidade e das indústrias locais. É fundamental não adotar a IA de forma acrítica. Estamos em um momento decisivo no enfrentamento da crise climática e ecológica, e qualquer expansão da IA sem salvaguardas regulatórias, socioambientais e éticas adequadas apenas fortalecerá o poder de corporações tecnológicas globais, minando as ambições climáticas em escala mundial.
Assinam: Instituto Latinoamericano de TerraformaciónInstituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec)Coding RightsLaboratório de Políticas Públicas e Internet – LAPINInstituto de Defesa de Consumidores – IDECFundação Heinrich Böll
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